segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Ciências Contábeis - Indução e Dedução


A ABDUÇÃO EM UQBAR

Umberto Eco

In: Sobre os espelhos e outros ensaios. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1989.

[…] Suponhamos que sobre esta mesa eu tenha um saco cheio de feijões brancos. Eu sei que está cheio de feijões brancos (suponhamos que o tenha comprado numa loja que vende saquinhos de feijão branco e que eu confie no vendedor): portanto, eu posso tomar como Lei que “todos os feijões deste saco são brancos”. Uma vez que conheço a Lei, produzo um Caso; pego às cegas um punhado de feijões do saquinho (às cegas: não é necessário que os veja) e posso predizer o Resultado: “os feijões que estão na minha mão são brancos”. A Dedução de uma Lei (verdadeira), através de um Caso, prediz com absoluta certeza um Resultado.
Ai de mim, exceto em alguns sistemas axiomáticos, podemos fazer muito poucas deduções seguras. Passemos agora à Indução. Tenho um saquinho, e não sei o que contém. Coloco a mão dentro dele, tiro um punhado de feijões e observo que são todos brancos. Coloco de novo a mão, e de novo são feijões brancos. Continuo por um número x de vezes (quantas sejam as vezes, depende do tempo que eu tenho, ou do dinheiro que recebi da Fundação Ford para estabelecer uma lei científica a respeito dos feijões do saco). Depois de um número suficiente de provas, faço o seguinte raciocínio: todos os Resultados das minhas provas dão um punhado de feijões brancos. Posso fazer a razoável inferência de que todos esses resultados são Casos da mesma Lei, isto é, que todos os feijões do saco são brancos. De uma série de Resultados, inferindo que sejam Casos de uma mesma Lei, chego à formulação indutiva dessa Lei (provável). Como já sabemos, basta que numa última prova aconteça que um só dos feijões que tiro do saco seja preto para que todo o meu esforço indutivo se dissipe no nada. Eis o porquê da desconfiança dos epistemólogos em relação à Indução.
Na verdade, assim como não sabemos quantas provas são necessárias para que uma Indução seja considerada boa, não sabemos o que seja uma Indução válida. Dez provas bastam? E por que não nove? E por que não oito? E então, por que não uma?
A esta altura a Indução desapareceu e deixa espaço para a Abdução. Na Abdução eu me encontro diante de um Resultado curioso e inexplicável. Para nos atermos ao nosso exemplo, há um saquinho sobre a mesa, e ao lado, sempre sobre a mesa, um grupo de feijões brancos. Não sei como estão ali, ou quem os colocou, nem de onde vêm. Consideremos este Resultado um caso curioso. Agora eu deveria encontrar uma Lei tal que, se fosse verdadeira, e se o Resultado fosse considerado um Caso daquela Lei, o Resultado não seria mais curioso, mas sim razoabilíssimo.
Neste ponto eu faço uma conjetura: teorizo a Lei pela qual aquele saco contém feijões e todos os feijões daquele saco são brancos e tento considerar o Resultado que tenho diante dos meus olhos como um Caso daquela Lei. Se todos os feijões do saquinho são brancos e esses feijões vêm daquele saco, é natural que os feijões da mesa sejam brancos.
[…] o raciocínio por Abdução é típico de todas as descobertas científicas “revolucionárias”. Kepler aprendeu com quem o precedeu que as órbitas dos planetas são circulares. Depois observa duas posições de Marte e destaca que estas tocam dois pontos (x e y) que não podem ser os dois pontos de um círculo. O caso é curioso. Não seria mais curioso se se admitisse que os planetas descrevem uma órbita que pode ser representada por um outro tipo de curva e se fosse possível verificar que x e y são dois pontos desse mesmo tipo de curva (não circular). Kepler deve então encontrar uma lei diferente. Poderia imaginar que as órbitas dos planetas são parabólicas, ou senoidais… Não nos interessa (aqui) saber por que ele pensa na elipse (tem suas razões). Então ele faz a sua Abdução: se as órbitas dos planetas fossem elipsóides e as duas posições relevadas (x e y) de Marte fossem um Caso desta lei, o Resultado não seria mais surpreendente. Naturalmente, a essa altura ele deve conferir a sua Abdução simulando uma nova Dedução. Se as órbitas são elípticas (se pelo menos a órbita de Marte é elíptica) deve-se esperar Marte num ponto z, que é um outro ponto da elipse. Kepler o espera e o encontra. Em linha de princípio, a Abdução está provada. Agora trata-se somente de fazer muitas outras averiguações e de provar se a hipótese pode ser adulterada. Naturalmente, abreviei e resumi as fases da descoberta. O fato é que o cientista não tem necessidade de dez mil provas indutivas. Formula uma hipótese, talvez arriscada, muito parecida com uma aposta, e a põe à prova. Desde que a prova dê resultados positivos, venceu. […]



Então entenda:

Raciocínio dedutivo: inferências imediatas, silogismos ou argumentos condicionais

Todo animal é mortal
Todo homem é animal
Logo, todo homem é mortal

Raciocínio indutivo: particular para o geral

O cobre é condutor de eletricidade
O ferro é condutor de eletricidade
A prata é condutor de eletricidade
O ouro é condutor de eletricidade
O cobre, o ferro, a prata e o ouro são metais
Os metais são condutores de eletricidade

Características do raciocínio Dedutivo x Indutivo

• raciocínio dedutivo válido:
– do geral para o particular;
– premissas verdadeiras garantem uma conclusão verdadeira;
– não ampliam o conhecimento.

• raciocínio indutivo:
– do particular para o geral;
– premissas verdadeiras não garantem uma conclusão verdadeira;
– ampliam o conhecimento.

A abdução ou hipótese, ocorre quando deparamos com uma circunstância curiosa, capaz de ser explicada pela suposição de que se trata de caso particular de certa regra geral, adotando-se em função disso, a suposição.  Umberto Eco explica que é preciso entender interpretação num sentido diverso do de “decodificação”, logicamente falando. Essa interpretação assemelha-se ao  tipo de  inferência lógica  que Peirce chamou de abdução.